domingo, 12 de janeiro de 2014

Ao Panteão Já

Ao Panteão Já

O Panteão não é um cemitério de celebridades. Útil ou inútil, é um lugar onde, através da homenagem a figuras marcantes da história coletiva, se fixa a memória da nação para transmitir determinados valores. Cada regime escolhe os seus heróis, e por isso lá estão Óscar Carmona como Humberto Delgado. Mas é importante que cada regime saiba o que quer dizer sobre si próprio. O Panteão está reservado, segundo a lei, a quem tenha ocupado cargos públicos, prestado serviços militares, contribuído para a expansão da cultura portuguesa, tenha sido extraordinário na criação literária, cientifica e artística ou se tenha realçado na defesa de valores fundamentais, como o da liberdade. Qual destes critérios se aplica a Eusébio para ser trasladado para onde não estão Eça de Queirós, José Saramago, António Sérgio, Egas Moniz ou Aristides de Sousa Mendes? É, muito merecidamente, popular? Mas a popularidade não é um valor. É apenas um atributo. Dantes, exigiam-se cinco anos para decidir que um corpo era trasladado para Santa Engrácia. Por causa de Amália passou a um. Com Eusébio, os líderes parlamentares queriam tomar a decisão dois ou três dias depois do enterro. Porque é agora que o povo vibra e se comove e é quando o povo vibra e se comove que se ganham votos. Também se ganham clientes. O "Correio da Manhã" lançou uma campanha de recolha de donativos "Eusébio ao Panteão, já!" E o seu subdiretor descreveu o seu olhar muito particular sobre o funcionamento da democracia: "A pressão popular começou num estádio, cresceu nas ruas de Lisboa, materializou-se nos donativos generosos dos leitores e dos espectadores do "Correio da Manhã", e vergou os deputados da nação." O Panteão é uma espécie de Casa dos Segredos. Um tablóide e um canal de televisão, em nome do povo, decidem que entra e até, quem sabe, quem sai. Tudo já. Tudo sem peso, sem conta, sem medida. Mas talvez seja mesmo este o valor que sobra ao regime: a histeria do dia que, em direto, verga os deputados.

Daniel Oliveira, in Expresso, 11/01/14

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